Viver de especulação diária é quase impossível, mas tem cada vez mais brasileiros fazendo isso
A verdade é que pouquíssimos conseguem lucrar com o day trade e pior: quanto mais tempo tentam, mas prejuízo têm.
Viver de day trade,ou seja da compra e venda diária de ativos no mercado financeiro, é um mito. É o que mostra um estudo encomendado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)?a dois pesquisadores da FGV. Apesar disso, são muitos os brasileiros pessoa física que se encantaram com essa possibilidade nos últimos anos. Se em 2014, dados da B3 mostram que 581 investidores, em média, negociaram minicontratos de dólar ao longo do ano. Em 2018 esse número saltou para 14.211.
O levantamento de Fernando Chague e Bruno Giovannetti, ambos da Escola de Economia da FGV EESP, olhou especificamente para dois tipos de ativos típicos do day-trading – os contratos de mini dólar e mini índice – em meio aos dados da CVM, com informações entre 2012 e 2017.
Dos quase 20 mil investidores pessoa física que começaram a comprar e vender mini índice entre 2013 e 2015, por exemplo, 92,1% desistiram da prática. E das 1.558 das pessoas que persistiram por mais de 300 pregões, 91% tiveram prejuízo. Mais: dos 9% que conseguiram algum com as operações, apenas 13 pessoas (menos de 1%) conseguiram lucro médio diário acima de R$ 300.
Algo muito parecido ocorreu com os investidores que apostaram nos minicontratos de dólar. Dos 14.748 investidores pessoa física que começaram a comprar e vender mini índice entre 2013 e 2015, 92,3% desistiram da prática. Das 1.131 das pessoas que persistiram por mais de um ano (período que alguns canais e casas de análise financeira tem apregoado como suficiente para aprender a mexer com esse ativo), 83% tiveram prejuízo.
Foi com base nesse levantamento que a CVM enviou um ofício a corretoras e casas de análise na semana passada, reforçando as diretrizes da nova norma sobre a atividade dos analistas de valores imobiliários, , e que solicita que os profissionais devem evitar expressões como “renda certa”, “rentabilidade fixa” ou “garantida” em qualquer relatório ou publicidade encaminhada a investidores.
A autarquia reforçou essas diretrizes em razão do uso crescente de tais expressões em ações de e-mail marketing, postagens de redes sociais e vídeos de YouTube, que, aos olhos da CVM, também passam a ter status semelhantes a relatórios e comunicados a investidores, já que têm alto potencial de persuasão.
Outra conclusão importante da pesquisa de Chague e Giovannetti é a de que mais tempo no day-trading não leva, necessariamente, a mais conhecimento sobre atividade e, consequentemente, lucro. Pelo contrário.
“De fato, os dados mostram que mesmo desconsiderando o primeiro ano de ‘aprendizado’, a performance dos investidores que decidem persistir não muda significativamente. Essa evidência vai de encontro à percepção de que day-traders melhoram com a experiência”, explicam os dois pesquisadores, que também reforçam a relevância do estudo visto que os dados abrangem todos os investidores pessoa física que, de fato, operaram no day trade, não apenas uma amostragem.
Por que o encanto dos brasileiros com esses derivativos?
Conhecido como “mini de dólar”, esse derivativo define um comprador e um vendedor da moeda americana em uma data futura e a um preço determinado. A negociação pode ser feita por meio da própria plataforma das corretoras. Uma das indicações do produto é para quem deseja se proteger das oscilações cambiais.
Mas é com o objetivo de lucrar com a volatilidade do dólar que a maior parte das pessoas físicas opera esses minicontratos, dizem especialistas. Para isso, o contrato não é levado até o fim. A ideia desses investidores de perfil agressivo é identificar oportunidades de compra e venda, saindo da operação em um mesmo dia.
Um dos motivos que contribuíram para o forte aumento de investidores nesse mercado, conta o economista-chefe da Guide, Victor Candido, é a explosão de informações sobre esse tipo operação, sobretudo no YouTube. “Hoje, conseguir informação é muito simples. Mas é extremamente arriscado e a maioria não entende muito bem como funciona o câmbio”, afirma.
O “mini de dólar” é atrativo para esses investidores pela combinação de alavancagem e volatilidade, o que permite grandes ganhos com pequenos valores investidos, diz Rodrigo Puga, executivo-chefe da Modalmais.
Segundo ele, a corretora vem registrando um aumento de 10% ao mês em número de clientes no ramo, a maior parte sem muita experiência. “Sempre falamos que não é fácil ganhar dinheiro. É preciso ter muito controle de risco, porque a volatilidade pode ser para o bem ou para o mal”, alerta.
Em algumas corretoras, os investidores aplicam menos de R$ 100 para negociar contratos de cerca de R$ 4 mil. Se não houver gatilho para encerrar posições, eles podem ficar com um saldo devedor dezenas de vezes maior do que o investimento feito.
Hoje um investidor em tempo integral, Jefferson Silva, de 36 anos, lembra de perder R$ 1,5 mil em um único dia logo quando começou nesse nicho, enquanto ainda trabalhava com TI. “Tentava me esconder em alguma sala de reunião para operar, mas às vezes dava tudo errado”, diz ele, conhecido no mercado como ‘Laatus’, nome do curso que oferece sobre mini de dólar. “É uma situação complicada, porque você acaba não dando a atenção que o mercado exige. Muita gente acaba se machucando muito.”
Outro fator também apontado pelos especialistas para a elevação na procura por minicontratos é a queda dos custos de corretagem. Para complementar a renda depois de um acidente de carro, o administrador André Mazoni, de 42 anos, viu um caminho mais barato no minicontrato, em relação às ações. “Achava que só poderia operar se fosse rico. As operações de mini não precisam de um capital muito grande.”