É preciso aprofundar o letramento climático na sociedade
“É preciso aprofundar o letramento climático na sociedade”, afirma pesquisadora da FGV EESP
Enquanto dados evidenciam danos à saúde decorrente da poluição do ar, além de impactos socioeconômicos, pesquisas apontam que brasileiros expressam ceticismo quanto a severidade das mudanças climáticas.
Diante da fumaça das queimadas que chegou a cobrir 60% do território brasileiro em setembro, segundo o INPE, a população enfrenta diversos desafios como problemas de saúde e impactos socioeconômicos. Em meio a esses desafios, um estudo da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV RI) analisou como pensam os brasileiros quando o assunto é mudanças climáticas e constatou que quase metade dos entrevistados (44%) expressa ceticismo em relação a severidade da crise climática. Em meio a este cenário, a Pesquisadora da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP) e Coordenadora Científica e Cofundadora do FGV Clima, Clarissa Gandour, ressalta que é preciso investir em letramento climático para a população.
“O letramento climático parte do princípio em que os indivíduos não apenas compreendem os conceitos associados a crise climática, mas também internalizam esses conceitos de forma a adotarem novos comportamentos no dia a dia”, introduziu Gandour.
A pesquisadora aprofunda que a crise climática não é nova para a comunidade científica, mas a discussão pública acerca das consequências desta crise é recente.
“O debate sobre o clima saiu de nichos específicos e ganhou enorme proporção, mas há muitos conceitos e nuances que ainda não foram amplamente assimilados. O letramento climático é essencial não apenas para construir um repertório de questões fundamentais, mas também para avançar a compreensão sobre pontos mais complexos da crise climática”, explicou.
Compreensão acerca dos impactos da crise climática
Ainda que esteja relacionada a incêndios criminosos, Gandour ressalta que a catástrofe que o Brasil vivencia com as queimadas nas regiões da Amazônia e Cerrado possui um componente climático.
“Já vivemos hoje um ‘novo normal’, com extremos climáticos mais frequentes e mais intensos. É o caso das altas temperaturas e secas extremas que vemos agora no país, absolutamente atípicas considerando os padrões históricos. Esses componentes climáticos, combinados com ações humanas como aquelas que desencadearam as queimadas, têm um impacto direto sobre a população. Como exemplo, basta lembrar que estava perigoso respirar em muitas partes do país nas últimas semanas”, disse a pesquisadora.
Ela alerta que a ideia de que a crise climática era um problema para a geração futura já acabou, pois a crise atinge a população em inúmeros níveis na atualidade e impõe que as sociedades se adaptem a uma nova realidade.
O relatório do National Bureau of Economic Research (NBER), com sede nos Estados Unidos, aponta que, para cada 1ºC de aumento na temperatura da Terra, o Produto Interno Bruto (PIB) global despencará em 12%. “Por isso, é necessário que a sociedade tenha compreensão da dimensão da crise e das suas consequências que afetam a economia e a saúde da população”, comentou Gandour.
Um estudo da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV (FGV EPPG) identificou que as queimadas estiveram associadas com aumento de 23% em internações por doenças respiratórias no Brasil e 21% nas doenças circulatórias, além disso, outro estudo apontou que as queimadas aumentam em até 31% a chance de um bebê nascer prematuro na região Sudeste do Brasil, causando também outros danos à saúde infantil como baixo peso ao nascer e má-formação.
Diante deste panorama, Gandour acredita que se a população não tem uma compreensão plena da situação, não é possível agir de forma efetiva e embasada, ou seja, tomar decisões no dia a dia de maneira informada e ancorada nos dados e informações disponibilizadas pelos governos, instituições de pesquisa, entre outros.
“Essa é a única forma de combater a crise climática: compreender o que ela causa e as ações necessárias para lidar com suas consequências. É esta compreensão que permite que a população interprete o que ocorre para embasar decisões individuais e coletivas no dia a dia”, defende a pesquisadora.
Como promover o letramento climático?
Em setembro deste ano, a FGV EESP apresentou aos stakeholders no Brasil o seu novo centro de estudos: o FGV Clima, que vai analisar o papel da Economia em meio à crise climática. Em um dos primeiros projetos, o novo centro vai contribuir com diagnósticos técnicos para apoiar a formulação do Plano Nacional de Transição Energética do Ministério de Minas e Energia (PLANTE).
Segundo Gandour, o novo centro também vai investir em letramento climático, que inclusive é um componente importante do PLANTE, para garantir que o conhecimento produzido seja acessível a população e disseminado entre governos, empresas e organizações civis.
Ao abordar a importância deste engajamento público, a pesquisadora é categórica em exaltar a urgência de investir em letramento climático para a população:
“Precisamos ser rápidos e atuar não apenas em uma frente de ação, mas em várias. Precisamos que diferentes segmentos com seus diferentes papéis atuem em conjunto. Por exemplo, a mídia tem um papel essencial de levar a informação para a sociedade de maneira acessível, enquanto os economistas possuem o papel fundamental de produzir conhecimento e levar essas informações para além de seus pares e das pessoas que já falam a língua da economia. Todos nós que atuamos em alguma vertente da agenda climática precisamos nos questionar: ‘como eu faço esse conhecimento chegar em outros públicos?’”, indagou a pesquisadora.
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