Pesadelo americano
Pesadelo americano
Com retrato empático da base popular da direita nos EUA, socióloga Arlie Hochschild traduz a economia política e moral da era Trump
Em um debate com o intelectual conservador William Buckley em Cambridge, o escritor e crítico cultural James Baldwin se propôs a responder à seguinte pergunta sobre as relações raciais nos Estados Unidos: o sonho americano é realizado às custas dos negros? Era 1965, auge das lutas pela igualdade de direitos no país, e a resposta de Baldwin foi dura e direta. O mito do sonho americano — segundo Baldwin, uma utopia resplandecente de afluência econômica e inocência cultural — foi e continua sendo construído pela população branca às custas de um sistema hierarquizado no qual os negros são economicamente explorados, politicamente excluídos e socialmente subordinados nos espaços de prestígio do país.
Poucas pessoas duvidariam que o diagnóstico sombrio de Baldwin permanece atual em um país (como o nosso) no qual negros morrem mais, vivem menos e estão, ao mesmo tempo, sub-representados nos espaços de poder e super-representados no sistema carcerário.
Iniciado com as reformas neoliberais dos anos 80 e agravado pela globalização dos anos 2000, entretanto, um novo pesadelo americano tem assombrado a política dos Estados Unidos. Dessa vez, seu alvo é a classe trabalhadora branca. Mais precisamente, homens brancos sem ensino superior que vivem fora dos grandes centros urbanos.
É entre homens brancos sem ensino superior que Trump encontra os mais fervorosos apoiadores
Esse é o mundo social devastado por aquilo que os economistas Angus Deaton e Anne Case denominaram uma epidemia de “mortes por desespero”: o aumento exponencial de mortes autoinfligidas, associadas ao abuso de álcool, uso de opioides e suicídio. Estima-se que, entre 1999 e 2017, mais de 600 mil mortes tenham ocorrido nessa população. É justamente aí, entre homens brancos sem ensino superior nem perspectiva social, que Donald Trump encontra os mais fervorosos apoiadores de suas políticas protecionistas e negacionistas.
É cientista político, filósofo, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) e pesquisador do Cebrap.
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