Por que a expectativa do mercado sobre o Brasil caiu tão rápido?
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Alta da inflação, baixo crescimento e ruído político alimentam movimento que derruba valor dos ativos. Pesquisa mostra o presidente com rejeição mais alta desde que tomou posse.
Dos mais de 130 mil pontos do Ibovespa de junho aos 113.794 desta quinta, o Brasil vem enfrentando uma queda de expectativa dos agentes econômicos movida pela alta da inflação, baixo crescimento e ruído político. A antecipação do debate eleitoral do ano que vem é apontada como um dos vetores do quadro, que trava a agenda econômica no Congresso.
Nesta quinta, pesquisa Datafolha mostrou o presidente Jair Bolsonaro com 53% de rejeição – o pior índice desde que tomou posse.
“Todas as discussões que estamos tendo de reformas, elas são irrelevantes. O governo provavelmente não vai fazer mais nada e a gente está totalmente à mercê do que vai ser o processo eleitoral, que foi antecipado por decisões do próprio governo”, disse Carlos Woelz, sócio da Kapitalo, uma das maiores gestoras do país, em tom de desabafo, um debate sobre o mercado de capitais nessa semana.
Conhecido pelo estilo analítico e direto, Carlão da Kapitalo, como é chamado pelos pares da Faria Lima, vocalizou um ceticismo crescente entre gestores quanto à possibilidade do governo Bolsonaro conseguir apoio no Congresso para alterar normas tributárias e trabalhistas à guisa de destravar a competitividade das empresas brasileiras e também manter as contas públicas em ordem.
Nesta quarta, informou a Bloomberg, a XP Asset Management informou que seu Fundo Macro passou a operar em posições vendidas na bolsa brasileira por causa de riscos fiscais e o crescimento mais fraco que o esperado. A gestora da XP avalia que o governo está fragilizado politicamente e sob pressão para aumentar gastos sociais em um momento de inflação em alta, que levará a uma política monetária baseada em altas de juros.
“Nesse ambiente, vemos um cenário fiscal desafiador para o mercado de renda variável, que apesar de já estar descontado, pode vir a sofrer com realocações significativas de fluxos para renda fixa”, diz a carta assinada pelos gestores Bruno Marques, Julio Fernandes e pelo economista-chefe Fernando Genta.
Hoje, a percepção de fragilidade do governo contrasta com o início do ano, quando, em janeiro, os aliados do presidente Jair Bolsonaro ganharam o controle das duas Casas do Congresso. O governo conseguiu emplacar alguns gols, como a lei que formalizou a independência do Banco Central e o Marco do Saneamento , através de uma emenda constitucional que abriu o setor ao investimento privado.
Mesmo com uma escalada da pandemia (588,6 mil mortos até ontem), os mercados tiveram ganhos, com o Ibovespa ultrapassando os 130 mil pontos em junho e o PIB do primeiro trimestre cresceu 1,2%. Um dado inesperado do primeiro trimestre foi a dívida pública ter caído para 84% do PIB – contrariando previsões de que os gastos durante a pandemia elevariam o endividamento para quase 100% do PIB.
Fatores externos ajudaram também: alta nos preços internacionais da soja e do minério de ferro, carros-chefe das exportações, teve impacto positivo na arrecadação e o juro baixo nos EUA continuou acentuando o fluxo de dinheiro para os ativos brasileiros.
Na safra de dados subsequentes veio a ressaca: o PIB recuou 0,1% no segundo trimestre, a inflação de agosto somou 9,68% no acumulado de 12 meses e o Banco Central passou a subir juros em meio à pressão inflacionária.
O segundo choque veio da política. No 7 de Setembro em que o presidente Jair Bolsonaro afirmou a apoiadores, na avenida Paulista, que não mais cumpriria ordens do ministro do STF Alexandre de Moraes. A fala repercutiu tão mal no mercado que o Ibovespa caiu quase 4% no dia seguinte, e o presidente recuou retoricamente com uma carta escrita pelo ex-presidente Michel Temer.
Como soma de tantos fatores, os bancos e consultorias econômicas passaram a tesoura essa semana nas previsões do PIB para 2022: Itaú Unibanco (de 1,5% para 0,5%), XP (1,7% para 1,3%), JP Morgan (1,5% para 0,9%), MB Associados (1,4% para 0,4%), MCM (de 2,1% para 1,4%).
Barricadas no Senado
O ambiente político no Senado ficou francamente desfavorável ao governo e às propostas da equipe econômica nas últimas semanas. Lá, a minirreforma trabalhista foi derrotada em plenário por 47 votos contrários contra 27. A reforma do Imposto de Renda ainda não tem data para ser votada.
Eleito com apoio do governo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), devolveu ainda a MP que alterava as regras de postagens em redes sociais, arquivou sem analisar o mérito do pedido de impeachment de Alexandre de Moraes e ainda suspendeu as sessões da Casa depois das declarações de Bolsonaro na avenida Paulista.
A indicação de André Mendonça para a vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal, que chegou à Casa em 13 de julho, não tem data para ser votada. É no Senado que corre a CPI da Pandemia, que é foco de desgaste para o governo.
“O que os últimos dados mostraram é que a pressão inflacionária ficou absolutamente clara e o Banco Central vai ter de corrigir isso. O governo já abandonou qualquer agenda reformista e não será o Congresso que vai tocar isso. Deve ficar pro próximo governo”, afirma Emerson Marçal, coordenador do da da Fundação Getulio Vargas ( ).
No radar ainda está o desafio da crise hídrica, que vai restringir a oferta de energia – o que, na opinião do professor, deverá adicionar efeitos recessivos e inflacionários, ao mesmo tempo.
“Talvez demore bastante para o país recuperar o investment grade , que é uma coisa que nem se fala mais hoje”, pondera.
Dia da marmota
A falta de coordenação política tem um peso significativo na deterioração das expectativas e na exigência de prêmios de risco cada vez maiores, diz Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset no Brasil (US$ 500 bilhões sob gestão globalmente, R$ 50 bilhões no Brasil).
Um dos sinais de alerta acendeu quando a reforma do Imposto de Renda passou na Câmara. O governo enviou um texto, que previa a tributação de dividendos como fonte de renda para o Auxílio Brasil, novo nome do Bolsa Família. Com mudanças feitas na tramitação na Câmara, o texto enviado ao Senado prevê uma alíquota menor na cobrança de dividendos e isenção para empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões/ano.
“O aumento do gasto com o Bolsa Família requer um funding permanente e o dividendo seria a fonte. Mas o texto que saiu da Câmara já tem uma estimativa de perda de receita de R$ 50 bilhões. De onde vai vir o dinheiro então? Aí começam surgir aquelas ideias que ninguém teve antes, como estender o auxílio emergencial porque aí fica fora do teto”, analisa Lima.
Segundo ele, questões como essa e a dos precatórios, também em aberto, fazem as expectativas dos agentes econômicos levarem em conta que o processo não é funcional. “A percepção é que a gente vai no limite e depois fica fazendo sempre aquém do necessário, tudo isso vai se incorporando ao risco”, disse.
O problema de fundo, afirma, é que “parece que o meio político cansou do teto de gastos”.
O economista-chefe da Western Asset encontrou num clássico da Sessão da Tarde a metáfora para explicar por que as expectativas caem e os prêmios de risco sobem no Brasil: “Eu tenho a impressão que a gente está vivendo como naquele filme o Dia da Marmota, em que o cara acorda sempre no mesmo dia. Você acorda todo dia com precatório, Imposto de Renda e Bolsa Família. Amanhã será de novo precatório, Imposto de Renda e Bolsa Família.”
Groundhog Day (“O Feitiço do Tempo”, na versão brasileira) é uma comédia de 1993, estrelada por Bill Murray e Andie MacDowell. A direção é de Harold Ramis.